Só no mês de março, o serviço 180 teve aumento de 9% em seus atendimentos
Por Aline Saraiva e Helena Salles*
Em tempos de confinamento provocado da pandemia da covid-19, as casas são consideradas sinônimo de segurança e de acolhimento. Mas essa não é a realidade de muitas pessoas que enfrentam situação de violência doméstica. De acordo com o estudo Raio X do feminicídio em São Paulo, 2 em cada 3 ataques seguidos de morte acontecem na residência da vítima. E não se trata de um fenômeno que acontece somente aqui no Brasil –estudos em vários países de todos os continentes apontam a mesma tendência. A notícia de que os casos de violência de gênero tenham aumentando com o isolamento social, portanto, não é surpreendente.
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Entre os fatores de risco para esse tipo de crime destacam-se a questão financeira (quando a mulher é impedida de trabalhar ou tem o seu salário “confiscado” pelo parceiro), o isolamento social (quando a mulher se afasta de família e amigos por pressão do parceiro) e o consumo de álcool e drogas. A convivência prolongada e, muitas vezes, a perda de receita, forçadas pela quarentena, evidenciam esses fatores de risco, tanto para quem já enfrentava o problema antes da pandemia se iniciar, quanto para quem passou a vivê-la após o confinamento.
Não à toa, o serviço 180 (Central de Atendimento à Mulher) registrou, só na segunda quinzena de março, um aumento de 9% nas chamadas com denúncias: entre os dias 1° e 16, foram 3.045 ligações e 829 denúncias; já entre os dias 17 e 25, os números saltaram para 3.303 e 978. Vale esclarecer que, muito embora a maior parte da violência contra a mulher seja praticada por companheiros e ex-companheiros, ela pode envolver também agressões de outros familiares, como pais, irmãos, tios e até mesmo filhos.
O relatório “A sombra da pandemia: violência contra mulheres e meninas e a covid-19”, divulgado no começo de abril pela ONU Mulheres, afirma que uma em cada três mulheres em todo o mundo já sofreu violência física ou sexual, mas que “é provável que esta crise piore como resultado da pandemia” do novo coronavírus. O documento relata que denúncias de violência doméstica cresceram, desde o início do confinamento em 25% na Argentina, em 30% na França e em 33% em Cingapura.
Em artigo, a diretora-executiva da ONU Mulheres, a sul-africana Phumzile Mlambo-Ngcuka, denunciou que “o confinamento está promovendo tensão e tem criado pressão pelas preocupações com segurança, saúde e dinheiro. E está aumentando o isolamento das mulheres com parceiros violentos, separando-as das pessoas e dos recursos que podem melhor ajudá-las”. No começo de abril, o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, fez um apelo por medidas para combater o “horrível aumento global da violência doméstica” dirigida a mulheres e meninas, em meio ao isolamento social imposto pelos governos na resposta à pandemia:
Mas como fazer uma denúncia quando a vítima divide o teto com o agressor? E no cenário atual, com a recomendação de ficar em casa, quais as opções de auxílio e acolhimento da vítima disponíveis para as mulheres? A equipe da Frente de Valorização da Mulher do Projeto Anariá, do SAS Brasil, identificou e analisou algumas das formas de agir nessa situação.
Equipe do SAS Brasil
O SAS Brasil disponibiliza profissionais da área do Direito que dão, de forma voluntária, orientações individuais a qualquer pessoa em situação de violência doméstica ou a qualquer um que queira se informar a respeito de como ajudar vizinhas, amigas e conhecidas que sofrem com esse tipo de agressão. Para pedir ajuda, envie a mensagem PRECISO DE AJUDA e o seu telefone celular pelo nosso Instagram ou Facebook. Sua mensagem será direcionada para as advogadas, que fazem o atendimento por meio do WhatsApp e estudam caso a caso para que o auxílio leve em consideração os canais de ajuda do local onde você reside, uma vez que algumas cidades estão com a operação reduzida em função da epidemia do coronavírus. Além disso, havendo necessidade e possibilidade, as advogadas fazem o encaminhamento da vítima para um centro de acolhimento ou para a Defensoria Pública, conforme o caso.
Boletim de ocorrência eletrônico
Quem já sofreu agressões ou sente que corre risco iminente de violência pode fazer um boletim de ocorrência eletrônico, utilizando a internet em um computador ou aparelho celular. Essa opção foi disponibilizada como medida de exceção, diante das recomendações de isolamento social geradas pela pandemia da covid-19. Para fazer o registro de boletim de ocorrência, basta acessar o site da Polícia Civil e seguir esses passos:
A vítima deverá preencher os dados próprios e também os do agressor para que ambos sejam contactados. Vale reforçar que nenhuma medida é tomada pelas autoridades sem antes garantir a proteção e a segurança da vítima.
Centros de Defesa e de Convivência da Mulher
Os Centros de Defesa e de Convivência da Mulher (CDCM) são serviços de atendimento social, psicológico, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência doméstica. A cidade de São Paulo tem sedes em várias regiões e algumas delas, cujas localizações são sigilosas e acessíveis somente para as próprias vítimas, estão preparadas para acolher não somente a mulher vítima de violência, mas também seus filhos de até 18 anos. Os CDCM estão atendendo normalmente, alguns também por WhatsApp, como é o caso da unidade do Butantã (11 99412-7066, atendimento das 9h às 18h). No site da Prefeitura de São Paulo é possível ver a lista completa de todos os CDCM da cidade.
Associação Fala Mulher
Instituição sem fins lucrativos, a Fala Mulher administra 8 serviços da rede de Proteção Social Especial, em parceria com o poder público: 2 Casas Abrigo, 2 unidades do CDCM e 4 Núcleos de Proteção Jurídico, Social e Apoio Psicológico na cidade de São Paulo. Mas a atuação da associação tem alcance nacional por meio da rede de relacionamento com entes responsáveis pela assistência social de municípios em todo o Brasil. Neste caso, também é oferecido o serviço de atendimento por WhatsApp (o número é 11-97186-6687)
Casa da Mulher Brasileira
Em situação de ameaça, pode-se recorrer à Casa da Mulher Brasileira (CMB), que atende pessoas de qualquer lugar do Brasil, 24 horas por dia. A CMB presta serviços de acolhimento e de escuta qualificada para mulheres em situação de violência e tem um centro de acolhimento provisório para casos de iminência de morte. Em função das recomendações de isolamento social, a CMB está funcionando com quadro reduzido, atendendo presencialmente apenas casos de acolhimento provisório. Todos os demais atendimentos, incluindo os da Defensoria Pública e assistência social, estão sendo conduzidos remotamente. Os requerimentos de medida protetiva (uma das formas de proteção da vítima garantida pela Lei 11.340/2006) também são feitos pela internet e a vítima recebe o aviso de deferimento ou indeferimento dessa proteção por meio do WhatsApp, até 24 horas após o encaminhamento. Em São Paulo, o endereço é rua Vieira Ravasco, 26 – Cambuci. O número do telefone para atendimento (24 horas) é 11-3275-8000.
Defensoria Pública
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem o Núcleo Especializado de Defesa da Mulher, com profissionais capacitados para receber demandas e orientar sobre os melhores lugares para obter atendimento e ajuda. Há três maneiras de entrar em contato com o núcleo. Por email (nucleo.mulheres@defensoria.sp.def.br), por telefone (11-94221-0280) ou por Whatsapp: 11-94220-9995 (as mensagens são lidas em, no máximo, 24h em dias úteis).
Ligue 180
Para quem tem a possibilidade de fazer uma chamada de voz, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180 pode ser uma opção. É um serviço de utilidade pública gratuito e confidencial que recebe denúncias de violência, orienta mulheres sobre os seus direitos e faz encaminhamento para outros serviços, se houver necessidade. O atendimento funciona 24 horas por dia, inclusive nos fins de semana. Não se trata de um serviço de emergência, mas de auxílio e encaminhamento. Pode ser uma boa ferramenta para vizinhos e familiares fazerem denúncias quando ouvem ou sabem de casos de violência com pessoas próximas.
* Aline Saraiva e Helena Salles são voluntárias da Frente de Valorização da Mulher do Projeto Anariá do SAS Brasil. Aline é jornalista e Helena, advogada.