No mês de novembro, o cuidado à pessoa com diabetes ganha espaço e me faz recordar o ano de 2020. o auge da pandemia da COVID-19, eu conheci a SAS Brasil. Uma startup social criada por Sabine Bolonhini e Adriana Mallet, duas mulheres incríveis e inspiradoras, com o objetivo de levar o acesso à saúde especializada para quem não tem – o que no Brasil diz respeito a 65.000.000 de pessoas.
Lembro que me encantei por tudo – propósito, missão, pessoas, mas disse que não queria me envolver com atividades além do atendimento nutricional voluntário. No final, de voluntária passei a coordenadora de nutrição e hoje sou coordenadora de projeto e tenho a SAS Brasil como minha principal atividade profissional.
Quando o convite para participar da construção de um projeto voltado ao cuidado das pessoas com diabetes, chegou iniciei uma nova jornada. Logo eu, a nutricionista especialista em pediatria e com atuação em oncologia me vi mergulhando no mundo, até então pouco explorado, da diabetes.
Os números sobre as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) como obesidade, hipertensão e diabetes são responsáveis por mais da metade do total de mortes no Brasil. Em 2019, 54,7% dos óbitos registrados foram causados por DCNTs.
O Diabetes tem sido um importante problema de saúde pública em países em desenvolvimento, como o Brasil, representando de 30 a 40% das causas de morbidade entre os adultos. Um estudo publicado pela Sociedade Brasileira de Diabetes aponta que 50% dos indivíduos diagnosticados com DM sequer sabiam que eram diabéticos. Dados atuais do IDF Diabetes Atlas 2021 – 10th edition, projetam que a prevalência no Brasil é de 10,5%, uma crescente prevalência impulsionada por uma complexa interação de fatores socioeconômicos, demográficos, ambientais e genéticos.
Neste cenário epidemiológico e diante da realidade encontrada na SAS Brasil nas localidades onde atua, o projeto nasceu para levar o atendimento especializado integral às pessoas com diabetes com base na educação em saúde.
Foram inúmeras reuniões, algumas sextas-feiras de construção multi e interprofissional com endocrinologistas, oftalmologistas, epidemiologistas, dermatologistas, odontologistas e equipe administrativa para montar o protocolo e as ferramentas que contemplassem todas as necessidades do público.
Das reuniões saíram, 4 pilares de apoio do projeto: otimização do tratamento de pacientes já diagnosticados; triagem, identificação e tratamento de novos casos; rastreio de complicações crônicas e educação em saúde de pacientes e profissionais de saúde. Em 2022, o projeto atendeu as populações próximas às nossas Unidades de Telemedicina Avançadas (UTA): Cavalcante em Goiás, Santo Amaro no Maranhão, Cruz e Acaraú no Ceará.
O planejamento do atendimento acontece junto com a prefeitura local. Pessoas com diabetes do município e aquelas que responderam ao questionário de triagem – o Findrisc – para entender o risco do desenvolvimento de diabetes e apresentarem risco acima de moderado, são convocados para rastreio de complicações através de coleta de hemoglobina glicada, avaliação dos pés, retinografia e anamnese completa de saúde e sobre o tratamento.
Com todas essas informações e resultados as pessoas avaliadas recebem um relatório geral sobre sua saúde, passam por grupos de educação em diabetes e aquelas que necessitarem de acompanhamento específico, irão ser encaminhadas para consultas com especialistas: endocrinologistas, oftalmologistas, nutricionistas, dermatologistas de forma presencial ou no modelo de teleatendimento.
Todas as etapas do projeto, incluem atividades de educação para os profissionais das cidades. Uma troca de conhecimento e experiências, para proporcionar o cuidado adequado para a população.
É um projeto complexo, com muitas frentes de trabalho. Muitos números.
Hoje alcançamos 1393 pessoas, que realizaram 5856 exames – entre exames de triagem de desenvolvimento da doença e rastreio de complicações.
Quase 90% das pessoas avaliadas nunca tiveram os pés avaliados. A importância desta avaliação consiste em identificar, por exemplo, feridas, a presença de micose ou a sensibilidade dos pé. Uma ferida não tratada por micose, em um paciente com a glicemia descompensada que não tem a sensibilidade normal, pode levar à úlcera, que se não tratada pode ocasionar a amputação.
Das pessoas avaliadas, 80% nunca haviam realizado o exame de fundo de olho, um exame que pode evitar a perda de visão. A retinopatia diabética, uma lesão na retina, é uma complicação decorrente do diabetes, relacionado com o tempo de doenças e falta de um bom manejo glicêmico.
Dos participantes do projeto 33%, apresentam algum grau de insegurança alimentar. Para uma doença, onde a base do tratamento é orientação alimentar, como orientar quem não sabe como será a próxima refeição?
Como coordenadora do projeto, olho para cada número, cada dado, cada KPI e entendo como podemos fazer melhor e levar mais acesso à saúde. Para transformar esses números em análises de impacto, não dá para deixar de lado o que tem atrás de cada um deles: pessoas.
Tenho aprendido com as pessoas que têm diabetes que o cuidado desta patologia vai muito além do que se come, do medicamento que se toma ou da atividade física que realiza. A escuta em cada atendimento, em cada ação de educação, em cada triagem é um passo para um cuidado da saúde mais humano e especialista.
E no fim, o projeto se resume a pessoas. Pessoas que cuidam e são cuidadas.
Como diz Patch Adams “Se você tratar uma doença, você ganha ou você perde. Se você tratar uma pessoa, eu garanto você vai ganhar, não importa o resultado” Vamo que Vamo!
Sobre a autora:
Juliana Nabarrete,
Coordenadora do Projeto de Diabetes da SAS Brasil. Formada em Nutrição pela Universidade São Judas Tadeu, é especialista em nutrição em Pediatria Clínica. Já atuou no acompanhamento ambulatorial, assim como docente em diversas áreas da nutrição. Na SAS Brasil desempenhou atividades como voluntária, coordenadora da nutrição e atualmente comanda o projeto dedicado ao diagnóstico e acompanhamento de pessoas com diabetes.